Hóquei: conheça a história do esporte que atravessa gerações em Sertãozinho

Febre sobre rodas. Veja como o hóquei moldou gerações e projetou a cidade paulista no mundo!

Nov 10, 2024 - 07:55
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Hóquei: conheça a história do esporte que atravessa gerações em Sertãozinho
Linda homenagem que o GE Ribeirão fez a Sertãozinho e a história do hóquei sobre patins

Em Sertãozinho, o esporte influenciou jovens nos anos 1980 e foi responsável por mobilizar a construção do ginásio de esportes Docão.


O brasileiro Douglas Felizardo tem 30 anos, sete deles vividos em Maryland, nos EUA, onde atua como jogador pelo Tour VA, de hóquei de patins inline. A 7,3 mil quilômetros dali, no interior de São Paulo, o professor e jogador master Emmerich Souza, de 44, ensina a crianças e jovens o mesmo esporte, que é pouco popular no Brasil, mas que remete a um passado de grandes conquistas. Apesar da distância atual, Douglas e Emmerich guardam em comum a cidade natal.

Município de 130 mil habitantes na região de Ribeirão Preto, Sertãozinho chegou ao topo do mundo a partir dos anos 1980 com um dos melhores times do país de hóquei tradicional de quadra - com patins de rodas paralelas, uma modalidade que moldou a cultura esportiva e o comportamento de gerações, além de ter mobilizado a construção do Ginásio "Pedro Ferreira dos Reis", mais conhecido como "Docão".

—Se eu tivesse nascido em alguma cidade diferente de Sertãozinho, provavelmente não estaria jogando hóquei, porque não tem o mesmo impacto. Acho que hóquei e Sertãozinho é uma coisa que não tem explicação, dá muito match, é muito interligado, é como se fosse uma parte que nasceu com a cidade — afirma

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Douglas Felizardo, atleta de Sertãozinho que joga hóquei nos Estados Unidos — Foto: Arquivo pessoal

O hóquei em Sertãozinho, o ginásio e a 'febre' dos anos 1980

Hoje um dos polos mais importantes de produção de cana-de-açúcar e de etanol do país, Sertãozinho ganhou uma semente do esporte pela iniciativa de Haroldo Pérsio Requena nos anos 1980.

Atleta campeão do mundo pela seleção brasileira e atuante em times como Palmeiras, Portuguesa e Regatas, ele morava em Ribeirão Preto quando teve a ideia de fundar, com um amigo, um time de hóquei na região.

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Haroldo Pérsio Requena, um dos fundadores do Sertãozinho Hóquei Clube — Foto: Fábio Junior/EPTV

Para compor a equipe, convenceu o irmão, Antonio Dorian Requena, mais conhecido como Teco, e mais três colegas da modalidade: José Manuel Rodrigues da Silva, o Mané, Paulo Peres, o Xixa, e Vitor Manuel Nogueira Santos, um português que se naturalizou brasileiro e jogou pela seleção.

Surgia assim o Sertãozinho Hóquei Clube (SHC), que mais tarde garantiria para a cidade uma galeria cheia de troféus: 29 títulos no Campeonato Paulista, 22 vezes do Campeonato Brasileiro, três sul-americanos, além de um mundialito, entre outras conquistas (veja na linha do tempo abaixo).

— Idealizaram montar um time em Sertãozinho, um time que chegasse nas cabeças, que chegasse a disputar título, mas que não custasse tanto, foi aí que eu vim como mascote, com 22 anos, vindo da Portuguesa. O Teco e o Aroldo vieram do Palmeiras, e o Xixa e o Mané vieram do Internacional. Foram os cinco jogadores que eu chamo de os fundadores do hóquei em Sertãozinho — afirma Vitor, que, em vários campeonatos, foi artilheiro da equipe eultrapassou a marca de mil gols na carreira.

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Vitor Santos, presidente do Sertãozinho Hóquei Clube — Foto: Fábio Júnior/EPTV

No início, a equipe mandava jogos em quadras abertas, mas não destinadas ao hóquei. Até que, em 17 de setembro de 1982, a cidade ganhava um ginásio idealizado para a modalidade após cinco anos de obras, algo raro no Brasil. Não foi à toa que, no mês seguinte, o "Docão" sediava o Campeonato Brasileiro.

Uma semana antes, Haroldo Requena, tão importante para que tudo aquilo ocorresse, havia morrido em um acidente de carro e por pouco os donos da casa não participaram.

— Teco, o irmão dele, falou: 'não, nós vamos participar porque esse era o sonho do Haroldo' — afirma Vitor.

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Torcida do Sertãozinho Hóquei Clube em jogo do Docão nos anos 1980 — Foto: Acervo EPTV

Naquela edição, o Sertãozinho Hóquei Clube perdeu a final para a Portuguesa, mas conquistou em definitivo os corações de muitos moradores. No mesmo ano, a equipe ganharia o primeiro sul-americano.

— Foi aí que começou a história do Docão e a febre, a partir daí, de realizarmos tudo quanto era evento importante aqui: mundialito de seleções, mundialito de clubes, campeonatos mundiais de seleções, campeonatos mundiais de interclubes, sul-americanos de seleções e de clubes, feminino e masculino. Teve o Pan-americano de 1983, realizado aqui, em que fomos medalha de ouro. Teve todos os eventos importantes no mundo, só as Olimpíadas que não — lembra Vitor.

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Na sequência do Brasileiro, entre janeiro e fevereiro de 1983, o Docão reuniu equipes da Argentina, Brasil, Chile, Espanha e Portugal para o Mundialito Intercontinental de seleções de hóquei em patins. O ginásio ainda abrigaria mais duas edições da competição em 1985, quando o Sertãozinho foi campeão, e em 1992.

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Sertãozinho Hóquei Clube em 2024 — Foto: Natália Agapito

Mais popular que o futebol

Em 1983, o professor Emmerich era uma criança que já patinava e foi levado pelo pai para o importante campeonato internacional.

— Eu tinha 3 anos. Foi o primeiro campeonato mundialito. Lá que foi a inauguração. Meu pai me levou com os patins com que eu já patinava. Como eu era uma criança que patinava, meio que virei um mascote do campeonato — lembra.

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Professor e atleta profissional de hóquei, Emmerich tinha apenas 3 anos quando entrou de patins na quadra do primeiro Mundialito em Sertãozinho — Foto: Arquivo pessoal

Influenciado por essa onda, ele e toda uma geração de crianças e jovens praticaram nas ruas de Sertãozinho, com os amigos, o esporte que não era comum em muitas partes do país. A locação do que futuramente seria o terminal rodoviário, no centro da cidade, foi, muitas vezes, o ponto de encontro dos jovens que haviam se apaixonado pela modalidade dos patins.

— Eram duas ruas e a construção desse terminal levou um tempo. (...) Não passava carro, então a gente ia jogar nesse lugar — conta.

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Sertãozinho (SP) sediou mundialitos de hóque sobre patins nos anos 1980 — Foto: Vinícius Alves/ge

Rubens André Santos da Costa, o Rubão, de 43 anos, começou aos 12 seus primeiros jogos na rua antes de entrar para a escolinha e de passar pelas categorias de base até chegar ao profissional, onde foi dez vezes campeão, sendo oito pelo SHC.

— A gente era o contrário das crianças de antigamente que pegavam uma bola, faziam um golzinho e jogavam bola na calçada, na rua de casa. Não. A gente fazia os golzinhos de madeira com pedaço de pau e bolinha e a gente praticava hóquei em casa, a gente respirava o hóquei na cidade nessa época — diz.

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Rubão, jogador do Sertãozinho Hóquei Clube — Foto: Fábio Júnior/EPTV

O que acontecia entre crianças e adolescentes refletia uma exposição acima da média do hóquei para os padrões da época, em uma cidade que, então, tinha 70 mil habitantes, com carros de som, visitas de atletas às escolas, propagandas e transmissões de jogos na televisão e até o uso da música "O que É O que É", de Gonzaguinha, como uma espécie de hino do principal time da cidade. Segundo Vitor, a divulgação e a admiração movimentaram e ainda movimentam as escolinhas de hóquei.

— Já cheguei a ter quase 300 alunos em uma escolinha de hóquei. Hoje temos 200, mas já tivemos 400, então isso ajuda a divulgar. Os pais vão, começam a frequentar, mas o que me lembra muito foi a música. (...) Toda vez que a gente entrava na quadra saía o teclado com eles, todo mundo cantando essa música. Virou o nosso hino de entrada pra qualquer coisa — afirma o ex-atleta.

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Vitor Santos e aluna da base do Sertãozinho Hóquei Clube — Foto: Fábio Júnior/EPTV

Rivalidade "sadia e benéfica"

O "boom" do hóquei mobilizou, também, a criação de outros times na cidade, que chegaram a rivalizar com o Sertãozinho nos anos 1980 e 1990 sobretudo levando nome de empresas locais.

Mais recente, em 2009, surgiu o Mogiana Hóquei Clube, bicampeão brasileiro (2015 e 2016), campeão paulista (2016) e da Copa do Brasil, realizada no Pedrocão em 2024 com final contra o próprio SHC diante de um público de 4 mil torcedores.

— O Mogiana surgiu através de jogadores da base vitoriosa do Sertãozinho Hóquei Clube. Já havíamos tido uma boa experiência atuando no profissional pelo antigo time do Clube Literário, também da cidade, e avaliamos que era importante criar mais um time forte na capital do hóquei. Claro que isso gerou uma rivalidade sadia que é benéfica para a modalidade em Sertãozinho. Resolvemos arriscar e o projeto deu certo. São 15 anos de trabalho e títulos expressivos — afirmou Arthur Galloro, presidente Associação Mogiana Hóquei Clube.

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Mogiana Hóquei Clube, campeão da Copa do Brasil em Sertãozinho (SP) — Foto: Natália Agapito

Assim com o Sertãozinho, o Mogiana também mantém uma escolinha para futuros jogadores de hóquei. O projeto social atende 30 crianças, com meta para ampliar o número de alunos em 2025.

Desse projeto surgiu a estudante Loara Lucheta, de 16 anos, que treina entre os homens e, por se destacar, tem sido convocada com frequência para representar o Brasil em competições internacionais.

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Loara Lucheta, goleira convocada para a Seleção Brasileira Feminina de Hóquei sobre Patins, treina no Mogiana — Foto: Arquivo Pessoal

Hóquei inline: migração de talentos

Foi por influência do filme "The Mighty Ducks" ("Nós Somos Os Campeões", na versão brasileira), de uma trilogia que começou em 1992, que atletas do hóquei tradicional, como Emmerich, decidiram jogar o hóquei inline, uma adaptação sobre rodas em fileira para o esporte praticado com patins no gelo.

— A gente comprou os patins inline, pediu de aniversário para mãe, ganhou. Aí a gente ia a uma loja de bicicleta que tinha aqui em Sertãozinho que vendia os tacos. A gente jogava com bolinha nas praças — lembra.

Das ruas, o esporte foi para a quadra para a formação de um primeiro time na cidade, com comando do técnico Maurício Duque, que tinha uma carreira consolidada no hóquei tradicional. Emmerich conta que a ascensão do inline não foi tão bem aceita pelos defensores mais assíduos da prática do esporte com rodas paralelas.

— Vejo que são esportes distintos. Todos têm seu espaço — diz.

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Sertãozinho Spider Hockey Inline, na disputa do Campeonato Paulista 2023 — Foto: Federação Paulista de Hóquei e Patinação

Em 2003, Emmerich e Anderson Magro fundariam o Sertãozinho Spider Hockey Inline, time que, após um começo difícil, forma novos atletas, com uma escolinha que tem cerca de 100 atletas a partir dos 5 anos de idade, acumula títulos em diferentes categorias, de campeão paulista no masculino a campeão brasileiro no feminino, e leva o nome de Sertãozinho para fora do país no inline.

Jogadores como Douglas Felizardo, hoje nos EUA, e Marcela Maria de Souza, que atualmente joga hóquei no gelo, na Suíça, já representaram a cidade na seleção brasileira.

Além disso, o município segue como referência para competições como a Sertão Cup e o Campeonato Brasileiro de Hockey Inline, realizado no Docão em novembro.

As conquistas do passado, atreladas às iniciativas que seguem presentes, ajudam a manter uma tradição, passada de geração para geração, afirma Douglas.

— A criançada vê as glórias de Sertãozinho e fala 'putz, como é que a galera conseguiu isso? Como é que é ser campeão de um esporte tão exótico? Como é que é isso? (...) — diz o atleta

— Eles têm uma vontade de ganhar imensa por causa dos títulos que a cidade conseguiu por conta das glórias do passado. Acho que isso também é uma coisa de geração. A galera começa a ver, a entender, a gostar do esporte e ver o status que pode te levar — completa Douglas.

Fonte: GE Ribeirão - Rodolfo Tiengo e Vinicius Alves — Sertãozinho, SP

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